sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Crônicas de um Observador

Depois de um mês ou dois sem um surto digno de inspiração, hoje, dentro do ônibus a caminho do serviço, presenciei uma cena que eu posso dizer sendo triste, e ao mesmo tempo engraçada. Desculpem, mas acho que os poucos leitores desse meu humilde blog sabem do meu humor nada convencional. Bem... encontrei a namorada de um amigo meu no ponto de ônibus, que por sinal estava lotado, então ficamos de pé perto da porta. Bem na frente de uma garota cega. Meu primeiro pensamento foi: cadê a bengala dela? Afinal, também não havia visto uma bengala com ela. O detalhe era que, a garota cega, não parava de falar. Matraqueava o tempo inteiro com a cobradora do ônibus. Eu observava a garota e a cobradora em um dialogo um tanto cansado, forçado “E” esforçado. A garota tagarelava sobre sua felicidade em começar sua primeira aula em Braile e poder ler os primeiros livros em toda sua vida. Era impressionante como sua felicidade era interrompida por alguns cacoetes estranhos que contorciam seu rosto. Os olhos sempre perdidos no ar, as vezes parados virados para a janela, como se pudesse pela primeira vez contemplar um horizonte movimentado e caótico.
Foi quando, a garota, com toda inocência, falou: “droga, hoje vou perder o ultimo capitulo da Sinhá Moça! Queria tanto assistir!”
Imediatamente pensei: “Como ela pode assistir novela? Ela é cega”. Eu sei! Foi insensibilidade da minha parte pensar isso, mas não pude evitar. Nesse instante, a cobradora, que antes não parecia muito animada com a conversa, logo puxou assunto e foi encaminhando o assunto feminino. Logo uma outra garota ali perto também se junto as duas na conversa. A garota cega começou a mencionar sobre todas as novelas que havia “visto” em que havia uma personagem deficiente visual, e como ela se identificava com as personagens. Essas palavras me levaram a um outro pensamento. Um pensamento menos critico, um pouco mais caridoso e reconfortante. Mas logo passou quando a garota perguntou qual era a novela que o ator Marcos Frota havia feito o papel de deficiente visual. Não lembro qual foi a resposta, não prestei muito atenção nisso. Mas percebi o espanto da garota ao saber que Carolina Dieckmann e ele haviam se separado. Fato que já faz uns cinco anos que ocorreu. A frustração nos olhos sem vida da garota, ou seria ao redor deles, foi tão grande que me tiraram toda a atenção do que acontecia ao redor. Ela perguntava: Mas por que eles se separaram? Ele fez alguma coisa? Ela fez alguma coisa? A cobradora não sabia responder, apenas se esquivava das perguntas perdidas da garota com um simples “não sei”. No fim a garota falou: “deve ter sido por ciúmes dele, só pode”. Então, o ônibus parou e abriu as portas no terminal. Fui acompanhando a fila ouvindo a voz da garota ao longe que ainda falava com a cobradora. Finalmente a voz da cobradora disse: você já pode descer, garota.
A garota cega, agradeceu se despediu e saiu, tirando sua bengala de debaixo do banco. Eu sabia que devia haver uma bengala em algum lugar!
No fim das contas, enquanto caminhava em direção ao meu serviço eu pensava:
- Os estudiosos sempre dizem que deficientes tem a capacidade de compensar sua falta de habilidade em algo com outra parte do corpo. No caso dessa garota, ela substitui pela boca.
O que ela não podia ver, ela falava! E como falava!

Um comentário:

Mulher na Polícia disse...

Oi Vanrogue!

Essa viagem foi especial, né?
Olha... eu sempre mergulho em cenas do dia a dia. "Viajo" além das aparências e às vezes me perco em meio a tantas perguntas e percepções. É por isso que escrevo. Pra que esses momentos se eternizem para mim.

Foi uma leitura de agradável fluência. Isso é bom.

Beijinho!